segunda-feira, 16 de setembro de 2013


Pequeno Perfil de um Cidadão Comum

Belchior/Toquinho

Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Falava de negócios, ria, via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua
Acordava sempre cedo (era um passarinho urbano)
Embarcava no metrô, o nosso metropolitano...
Era um homem de bons modos:
"Com licença; - Foi engano"
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que caminha para a morte pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que tem no fim da tarde a sensação
Da missão cumprida
Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis
Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis
Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis
Mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo)
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto
Que a terra lhe seja leve

Canavial
Ivan Lins/Vitor Martins

Se no corpo, se nos olhos
Tenho água, tenho sal
Se o vento traz as ondas
Faz maré no meu quintal
Pra viver, e me afogar
Se o verde é igual
Não preciso mais do mar
Tenho meu canavial.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Movimento Dos Barcos

Jards Macalé

Tô cansado
E você também
Vou sair sem abrir a porta
E não voltar nunca mais
Desculpe a paz que eu lhe roubei
E o futuro esperado que eu não dei
É impossível levar um barco sem temporais
E suportar a vida como um momento além do cais
Que passa ao largo
Do nosso corpo
Não quero ficar dando adeus
Às coisas passando, eu quero
É passar com elas, eu quero
E não deixar nada mais do que as cinzas de um cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo
Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não
Lamentando o eterno movimento
Movimento dos barcos, movimento


Doente, morena 
Gilberto Gil e Duda Machado
De manhã cedo ela saí
Leva a chave, me deixa trancado o dia inteiro
Não ligo, deito sobre os trilhos
Vejo o trem passar
Entre brinquedos, cigarros
O Tesouro da Juventude, não sei quantos volumes
E quando canto
Deixo a imaginação voar
Mas ontem à noite, a mão sobre meus cabelos
Ela disse: Meu bem não tenha medo
No verão que vem
Nós vamos à praia

quarta-feira, 11 de setembro de 2013


Trocando em Miúdos
Chico Buarque e Francis Hime

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim?
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças

Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter
Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado

Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde

terça-feira, 10 de setembro de 2013



Sem Mais Adeus

Vinicius de Moraes e Francis Hime

Vim, cheio de saudade
Cheio de coisas lindas pra dizer
Vim porque sentia
Que nada existia fora de você
Nem a poesia, amor
Na sua ausência quis me receber
Vim banhado em pranto
Eu te amo tanto
Vem, vem aos braços meus
Sem mais adeus
Oh, vem

segunda-feira, 9 de setembro de 2013


AS ILHAS
Astor Piazzolla e Geraldo Carneiro

Vi mosca urdindo fios
De sombra na madrugada
Vi sangue numa gravura
E morte em caras paradas
Via vis de meia noite
E frutas elementares
Vi a riqueza do mundo
Em bocas disseminadas
Vi pássaros transparentes
Em minha casa assombrada
Vi coisas de vida e morte
E coisas de sal e nada
Vi um cachorro sem dono
À porta de um cemitério
Vi a nudez nos espelhos
Cristas na noite velada
Vi uma estrela no meio
Da noite cristalizada
Vi coisas de puro medo
Na escuridão espelhada
Vi um cruel testamento
De anjos na madrugada
Vi fogo sobre a panela
No forno de uma cozinha
Vi bodas inexistentes
De noivas assassinadas
Vi peixes no firmamento
E tigres no azul das águas
Mas não via claramente
A circulação das ilhas
Nos rios e nas vertentes
E vi que não via nada
Nada, nada...

Sinal Fechado

Paulinho da Viola

Olá, como vai ?
Eu vou indo e você, tudo bem ?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você ?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe ...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona ?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe ?
Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa, rapidamente
Pra semana
O sinal ...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus...

SENHOR/SENHORA
Luiz Gonzaga Jr.

Deixar a estação
Como deixa esse trem
Correndo, buscando
Cortando montanhas e vales
A vida
Largar esse nada pra trás
O vento na cara
Sem tralhas, sem trelas
Somente o sorriso da moça
Cravado bem no coração
E a fome do novo nas mãos
Senhora
Você não se lembra
De quando batia no peito
A vontade de ir bem mais longe
Ficou só desejo?
Morreu?
Senhor
Você desejava 
O vôo liberto das aves
E me repetia
Mais belo que ouro
E agora?
Você esqueceu?
Que é das conquistas
Meu pobre guerreiro?
A força do grito cadê
Meu farrapo herói?
Só ouço teu berro na paixão dos gols!
Aquilo que você queria era bem outra coisa
Tão firme, tão forte
Fugiu dos teus dedos
Na ânsia do fácil
Roubaram teu mundo
Ou você se entregou?
Ou você se entregou?

Saveiros
Dori Caymmi e Nelson Motta

Nem bem a noite terminou
Vão os saveiros para o mar
Levam no dia que amanhece
As mesmas esperanças
Do dia que passou.

Quantos partiram de manhã
Quem sabe quantos vão voltar
Só quando o sol descansar
E se os ventos deixarem
Os barcos vão chegar
Quantas histórias pra contar

Em cada vela que aparece
Um canto de alegria
De quem venceu o mar


Sem Fim
Novelli e Cacaso

Quando me larguei lá de onde eu vi
Chão de sol a sol
Ramo de alecrim, paletó de brim
Tempo tão veloz

Não achei meu pai, minha mãe não viu
Desgarrei de nós
Quando dei por mim, um sertão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater

Quando meu amor disse adeus pra mim
Eu perdi a voz
Quis dizer que sim, mas me desavim
E fiquei menor

Não chamei meu pai, minha mãe saiu
Me senti tão só
Procurei por mim e um desvão sem fim
Pelo meu redor
Coração, não deixe de bater